Vacinação infantil em queda no mundo acende alerta global para retorno de doenças erradicadas
Um estudo publicado recentemente na revista científica The Lancet lança um alerta preocupante: a cobertura vacinal de crianças contra doenças graves está em declínio em praticamente todo o planeta. A pesquisa revela que milhões de crianças ficaram sem a proteção essencial contra enfermidades como sarampo, tuberculose, poliomielite e difteria, especialmente após a pandemia de covid-19.
Esse retrocesso ameaça desfazer décadas de progresso em saúde pública. Entre os principais fatores apontados pelos especialistas estão o aprofundamento das desigualdades sociais e econômicas, as interrupções nos serviços de saúde durante a pandemia e, sobretudo, a crescente desinformação sobre os efeitos das vacinas, que alimenta a hesitação vacinal.
O perigo do sarampo e da poliomielite
Segundo o levantamento, a imunização contra o sarampo caiu em quase 100 países. Em 2024, a União Europeia registrou quase dez vezes mais casos da doença do que no ano anterior. Já os Estados Unidos, até maio, contabilizavam mais de mil casos confirmados — número superior ao total registrado em todo o ano de 2023.
Outro motivo de preocupação é o ressurgimento da poliomielite, doença altamente contagiosa, que pode causar paralisia irreversível e até levar à morte. Antes controlada em diversas partes do mundo graças à vacinação em massa, a pólio voltou a circular no Paquistão, no Afeganistão e em regiões da Papua-Nova Guiné, onde já há uma epidemia em curso. O vírus se espalha principalmente em locais com saneamento precário e afeta, sobretudo, crianças com menos de cinco anos.
Crianças desprotegidas e sistemas frágeis
O relatório revela que, só em 2023, cerca de 16 milhões de crianças não receberam nenhuma dose de vacina, sendo a maioria concentrada na África Subsaariana e no sul da Ásia — áreas onde os sistemas de saúde já enfrentam graves dificuldades estruturais.
"Vacinar crianças de forma rotineira é uma das intervenções de saúde pública mais eficazes e com melhor custo-benefício", destaca o principal autor do estudo, vinculado ao Instituto de Métricas e Avaliações de Saúde (IHME), da Universidade de Washington. Ainda assim, essa prática essencial está sendo deixada de lado.
Mais riscos em um mundo instável
Além da pandemia e da desinformação, o estudo aponta outras causas que agravam o cenário: o aumento das populações deslocadas por guerras e crises humanitárias, a instabilidade política em diversas regiões, a insegurança econômica e os impactos das mudanças climáticas. Todos esses fatores têm dificultado o acesso a campanhas de imunização, inclusive em países desenvolvidos.
Emily Haeuser, coautora da pesquisa, reforça a necessidade urgente de fortalecer os sistemas de saúde primários em todos os países, especialmente nos mais vulneráveis. “Estamos diante de um cenário onde doenças que podem ser prevenidas com vacinas voltam a ameaçar a vida de milhares de crianças”, afirma.
Uma história de sucesso sob risco
O estudo analisou dados globais de vacinação entre 1980 e 2023, abrangendo 204 países e territórios. Nas últimas cinco décadas, o programa de imunização da Organização Mundial da Saúde (OMS) evitou a morte de cerca de 154 milhões de crianças. No entanto, esse legado histórico está sob ameaça.
Os autores alertam que o mundo está diante de uma encruzilhada: ou os países investem no fortalecimento dos seus sistemas de vacinação, ou veremos o retorno de epidemias que poderiam ter sido evitadas.
O relatório foi divulgado às vésperas da conferência da Aliança Gavi para Vacinas, realizada em Bruxelas, na esperança de mobilizar governos e financiadores internacionais para reverter esse cenário alarmante.
O Gavi - The Vaccine Alliance é fruto de uma parceria público-privada (PPP) que tem o objetivo de promover a vacinação de pelo menos metade das crianças do mundo contra algumas das doenças com maior índice de mortalidade. Desde que foi criado, no ano 2000, o Gavi ajudou a imunizar milhões de crianças, prevenindo mais de 14 milhões de mortes. Isto significou a diminuição da mortalidade infantil para cerca de metade, em 73 países com baixos índices de desenvolvimento.
Edição: Redação Site TV Alepi - Imagem: Paulo Pinto