Morre Niéde Guidon: arqueóloga revolucionou o estudo da pré-história nas Américas
Faleceu na madrugada desta quarta-feira (4), aos 92 anos, a arqueóloga Niéde Guidon, uma das mais importantes pesquisadoras da história brasileira. Reconhecida internacionalmente, ela dedicou a vida à arqueologia e à preservação do patrimônio cultural e natural do Brasil, especialmente na região do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí.
Guidon foi pioneira ao propor que o povoamento do continente americano pode ter ocorrido há mais de 50 mil anos — muito antes do que indica o atual consenso científico. Suas descobertas, baseadas em centenas de escavações e datações realizadas no sertão piauiense, ajudaram a colocar o Brasil no centro das discussões sobre a pré-história das Américas e desafiaram paradigmas estabelecidos sobre a chegada do homem ao continente.
Uma vida dedicada à ciência e à preservação
Natural de Jaú, interior de São Paulo, Niéde nasceu em 12 de março de 1933, filha de pai francês e mãe brasileira. Formou-se em História Natural pela Universidade de São Paulo (USP) em 1959 e, na década seguinte, seguiu para a França, onde concluiu especialização e doutorado na Universidade Paris-Sorbonne com foco nas pinturas rupestres da região de Várzea Grande, no Piauí.
Foi na década de 1970, ao liderar uma missão arqueológica franco-brasileira, que Guidon deu início às escavações sistemáticas na região de São Raimundo Nonato. Os trabalhos resultaram na identificação de mais de 1.300 sítios arqueológicos, com vestígios que incluem pinturas rupestres, ossadas humanas e restos de fogueiras com dezenas de milhares de anos de antiguidade.
Em 1979, a partir de seus esforços, foi criado o Parque Nacional da Serra da Capivara, hoje considerado Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO e o território com a maior concentração de sítios arqueológicos das Américas.
Legado imensurável
Niéde também fundou a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), entidade responsável pela administração e pesquisa no parque. Sua atuação foi fundamental não apenas para o avanço da arqueologia no Brasil, mas também para a valorização da ciência em regiões historicamente esquecidas pelo poder público.
Em nota, o Parque Nacional da Serra da Capivara lamentou a morte da pesquisadora e exaltou sua contribuição:
“Sua trajetória deixa um legado imensurável para a ciência, a cultura e a memória do nosso país. Seu nome está eternamente gravado na história.”
Mesmo após sua aposentadoria em 2020, por limitações de saúde decorrentes da chikungunya, Niéde seguiu como referência e inspiração para novos pesquisadores. Em 2023, foi homenageada com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), em reconhecimento às décadas de trabalho e descobertas no estado.
Reconhecimento internacional e desafios enfrentados
Ao longo da carreira, Niéde Guidon foi condecorada com diversos prêmios e títulos, como a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico do Brasil e o título de Cavaleira da Legião da Honra da França. Apesar do reconhecimento global, enfrentou inúmeros obstáculos para garantir recursos e infraestrutura à manutenção do parque e à continuidade das pesquisas.
Niéde Guidon deixa uma marca indelével na arqueologia mundial e na história do Brasil. Seu legado vive nas pedras milenares da Serra da Capivara e na consciência de que preservar o passado é construir um futuro mais justo, sábio e enraizado em nossa identidade.
Edição: Site TV Alepi